domingo, 11 de abril de 2010

A Lição de Goethe


O excesso de luminosidade é inimigo da Luz.

Em dias de Sol, no pino do Verão, quando a claridade é intensa, todas as particularidades do claro-escuro se dissolvem, no caldo da luz absoluta. Sob tal império iluminante, os contornos esbatem-se e a personalidade de cada objecto perde-se na clareza uniforme e descolorida de tudo.
A verdadeira Luz necessita da proximidade das trevas.

Como ficou explícito em “Jardins da Luz e Sombra”, do contraste entre claridade e obscuridade nasce a cor, entidade que permite à luz manifestar-se…expressar-se.

O branco absoluto não existe! É uma concepção completamente teórica. Na verdade, o que fosse integralmente branco não poderia ver-se, do mesmo modo que a treva absoluta é invisível. Seja o que for, para ser visto, alguma cor tem de ter, ainda que, em certos casos, se trate de um cromatismo mais subjectivo – por dedução – que compatível com as capacidades do sistema ocular humano.

Se o cinzento fosse uma mistura de branco e preto, continuaria invisível. Mas o cinzento vê-se! E vê-se porque a estrutura cromática do branco e do preto, com que foi obtido, apresenta alguma cor. Digamos que aquilo que à vista chamamos preto é uma modalidade limite do azul, tal como o chamado branco, se visível, é uma modalidade limite do vermelho. Observando, através de um prisma cristalino, uma superfície em que se juntem branco e preto, de pronto será visível esta parentela: negro-azul; branco-vermelho.

Durante o ciclo solar anual, os momentos mais propícios à contemplação dos fenómenos da Luz e da sombra – entidades determinantes da cor – tal como se apresentam na Natureza, situam-se por altura dos equinócios, quando o equilíbrio entre essas entidades é mais notório.

Em certos momentos da Primavera ou do Outono, quando a noite tombava sobre Lisboa e a iluminação pública tardava a acender-se, as ruas estreitas escureciam deveras, enquanto os pontos altos, onde incidiam os últimos raios do Sol, refulgiam intensamente.

A memória desse fenómeno conduz a um atelier, de uma amiga pintora, situado na Rua Damasceno Monteiro. Era ela de nacionalidade alemã – talvez de Francfort do Meno – e tinha o hábito de trabalhar num pequeno terraço, aproveitando a breve e escassa luz do crepúsculo, trajando uma camisa de noite diáfana e alva. Conforme o local se ia enchendo de sombra, mais acima, como numa visão, a capela da Senhora do Monte e o paredão circular em que assenta o miradouro adjacente, permaneciam banhados por uma luz aparentemente irreal. Do outro lado, a colina do Castelo era uma silhueta sombria.

Nesses momentos havia como que uma evocação de Goethe, vendo-o com o seu grande chapéu, conforme Tischbein pintou e Warhol gostava de o rever. Esse chapéu, ícone da experiência italiana do poeta, feita de classicismo e de luz meridional, deve acompanhar qualquer referência, mesmo a mais subtil, ao seu revelador “Tratado das Cores”.
Carlos Dugos, in “Lisboa. Os Mitos da Memória”

1 comentário:

  1. Tem-me acontecido isso com a Pena.
    Gostei muito desta luz e trevas.

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